PARECER SOBRE GUARDAS MUNICIPAIS, NA CONSTITUIÇÃO DE 1988.
J. CRETELLA JUNIOR - Prof. da Universidade de São Paulo
1 OS FATOS
Exposição da matéria
1. Em inúmeros Municípios brasileiros, entre os quais o de Americana, conforme o que prescreve a Constituição de 5 de outubro de 1988, art. 144, § 8º, poderão ser constituídas Guardas Municipais, destinadas a proteção de seus bens, serviços e instalações, de acordo com o que dispuser a futura lei regulamentadora.
2. Assim, de acordo com o que dispuser a futura Constituição do Estado de São Paulo e da lei Orgânica de cada Município da Federação, as Guardas Municipais serão direito subjetivo público de cada Município.
3. Como se sabe, as milícias do Município tem uma filosofia voltada contra todo tipo de violência e, em especial, destina-se a proteção de "bens", "serviços" e "instalações" comunais.
4. A Lei Provincial nº 23, de 26 de março de 1866 criou as Guardas Municipais, órgãos cuja finalidade era a de garantir, na época, a segurança pública.
5. Em 1968, a tradicional Guarda Civil foi absorvida pela Força Publica, então existente. Nessa ocasião, o Governo do Estado monopolizou o exercício do poder de policia, criando a atual Policia Militar.
6. O art. 33 do Decreto Federal nº 88.777 de 30 de setembro de 1982 determinou que a atividade da Policia Militar incidiria, principalmente, sobre a ordem pública, que deveria ser mantida em todas Unidades da Federação.
7. O art. 35, do mesmo Decreto, determina que, nos casos de perturbação da ordem pública, o planejamento da Policia Militar deverá ser considerado como parte integrante da segurança interna.
8. Surgindo as Guardas Municipais, subordinadas, pelo art. 145 da Constituição Estadual, à Policia do Estado, o Estado da Federação procura exercer a manutenção da ordem publica.
9. O Decreto 667/86 deu competência a Policia Militar, ao planejamento, fiscalização e execução do policiamento ostensivo, fardado, em todo o Estado de São Paulo.
10. Foi-se observando, também aos poucos, a importância das Guardas Municipais quando se editou o Decreto nº 25.265, de 29 de maio de 1986.
11. Três meses depois, isto é, em agosto, foi apresentada proposta de Emenda Constitucional, para subordinar as Guardas Municipais a Policia Militar.
12. Em fins de 1986, o então Secretário da Segurança Pública do Estado de S. Paulo, recebeu ofício de autoridade credenciada, no qual se criticava a existência da Guarda Municipal.
13. Na realidade, o aumento da criminalidade, de um lado, e, de outro lado, a quase impossibilidade de ação policial preventiva e repressiva perfeita, revelaram a importância das Guardas Municipais para, ao lado da Policia Militar, complementar o combate ao crime.
14. Os integrantes das Guardas Municipais estão mais próximos da população, tendo maior vivência dos problemas que ocorrem todos os dias nos Municípios.
A CONSULTA
Diante dos fatos expostos acima, somos consultados a respeito de problemas referentes a Guarda Municipal, pelo Ex.mo. Sr. Diretor Técnico da Associação das Guardas Municipais do Estado de São Paulo, devendo-se notar que essas corporações existem ha mais de 100 anos, em São Paulo, cabendo-nos a respeito, responder as seguintes perguntas formuladas.
1º) Conforme o que dispõe o art. 144 da Constituição de 1988, a segurança publica e dever do Estado, direito e responsabilidade de todos.
Nesse caso, a regra geral do art. 144, § 8º, que atribui as Guardas Municipais à proteção dos bens, serviços e instalações comunais, comporta ou não exceções, ditadas pela ocorrência de outros princípios constitucionais mais relevantes, encontrados na mesma Constituição?
- "Os Municípios poderão constituir guardas municipais, destinadas a proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei" (art. 144 § 8º da Constituição de 1988).
- "Os Municípios poderão organizar e manter guardas municipais para colaboração na segurança publica, subordinada a Policia Militar do Estado, na forma e condições que a lei estabelecer" (art. 153 da Proposta de Emenda nº 10, de 1986 a CF)
2º) É exclusivo da Policia Militar o combate ao crime? E atribuição concorrente com a Policia Militar a atividade das Guardas Municipais, visando a reprimir e prevenir qualquer tipo de crime?
3º) Conforme o que dispõe o art. 129, VII, é função do Ministério Público exercer o controle externo da atividade, na forma da futura lei complementar, a ser editada pelos Estados?
4º) Vulnera ou não a autonomia municipal a subordinação das Guardas Municipais a Policia Militar ou a Policia Civil, como determina o art. 145, da atual Constituição do Estado de São Paulo ? Tal dispositivo configura ou não ingerência indébita do órgão do Estado, em atribuição do Município ?
5º) E do peculiar interesse do Município a proteção das pessoas contra a ação do criminoso?
6º) O processo legislativo prescrito pela atual Constituição permite ao Estado legislar sobre ordem pública e Policia Militar mediante decreto?
7º) De lege ferenda, o que deve constar na futura Constituição do Estado de São Paulo a respeito das Guardas Municipais?
TEXTOS LEGAIS PERTINENTES
CONSTITUICAO, LEIS, DECRETOS
- "A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, e exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio" (art. 144 da Constituição de 1988).
- "Os Municípios poderão constituir guardas municipais, destinadas a proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei" (art. 14 § 8º da Constituição de 1988).
- "Os Municípios poderão organizar e manter guardas municipais para colaboração na segurança publica, subordinada à Policia Militar do Estado, na forma e condições que a lei estabelecer" (art. 153 da Proposta de Emenda nº 10. de 1986 a Constituição do Estado).
- "O Presidente da Província de São Paulo Joaquim Floriano de Toledo, em 26 de março de 1866, sancionou a Lei nº 23,criando as Guardas Municipais.
- "Os Guardas Policiais farão, nos Municípios e Freguesias, todo serviço de policia e segurança e tomarão o nome de Guardas Municipais (art. 4Q da Lei nº 23/1866).
- "A atividade operacional policial militar obedecerá a planejamento que vise, principalmente, a manutenção da ordem publica, nas respectivas Unidades Federativas" (art. 33 do Decreto nº 88.777/83).
- "Nos casos de perturbação da ordem, o planejamento da ordem publica deverá ser considerado como de interesse da segurança interna" (art. 35 do Decreto nº 88.777 de 30 de setembro de 1983).
- "As Guardas Municipais, organizadas e mantidas pelos Municípios do Estado, para vigilância patrimonial de seus bens, ficam sujeitas a registro, na Secretaria de Segurança Publica"(art. 1Q do Decreto nº 25.265, de 23 de maio de 1986).
- "Os Municípios poderão organizar e manter guardas Municipais para colaboração na segurança publica, subordinadas a policia estadual, na forma e condições que a lei estabelecer(art. 145 da Constituição do Estado de São Paulo).
OS PRINCÍPIOS
Noção de ordem pública
15 - "A noção de ordem publica e extremamente vaga e ampla. Não se trata, apenas, da manutenção material da ordem na rua, mas também da manutenção de uma contra ordem moral" ( Harcel Waline, Droit administratif, 9ª ed. 1963, p. 642).
16 -Para Vedel, a noção de ordem publica e básica , em Direito Administrativo, sendo constituída por um mínimo de condições essenciais a uma vida social conveniente.
A segurança dos bens e das pessoas, a salubridade e a tranqüilidade formam o fundamento (cf. Vedel, Droit admnistratif.)
17. Como se vê pela citação de Autoridades francesas, a manutenção da ordem publica e tarefa do Estado, que incide não só mente sobre a proteção dos bens como também sobre proteção das pessoas
PODER DE POLÍCIA E ORDEM PÚBLICA
18. Diferentemente da policia, que e organização, em continua atividade, que se faz sentir, em concreto, no mundo jurídico, o poder de policia e uma facultas, uma potencialidade.
19. Poder de policia e a faculdade discricionária do poder publico - União, Estados, Municípios, Distrito Federal - de limitar ou restringir, quando for o caso, a liberdade individual em prol do interesse publico, exteriorizando-se, de modo concreto pela policia.
20. O poder de policia e a causa; a policia e a conseqüência direta dessa mesma causa.
21. Pelo poder de policia, o Estado de direito procura satisfazer o tríplice objetivo, qual seja, o de propiciar "tranqüilidade", "segurança" e "salubridade" ás populações, mediante uma serie de medidas restritivas, limitativas, coercitivas, traduzidas, na prática, pela ação policial, que se propõe a atingir es se desiderato.
22. O poder de policia consiste na ação desenvolvida pela autoridade para fazer cumprir o dever, que se supõe geral, de não perturbar, de modo algum, á boa ordem da coisa publica ( Otto Mayer, Derecho administrativo aleman, vol. II p. 19).
23. Brandao Cavalcanti, depois de assinalar que, em sentido lato, a expressão poder de policia deve ser entendida como o "exercício de poder sobre as pessoas e as coisas, para atender ao interesse publico" (cf. tratado, 4ª ed. 1956, vol. III, p. 5), passa a explicar que aquela designação não comporta uma definição rígida, mas inclui "todas as restrições, impostas pelo poder publico, aos indivíduos, em beneficio do interesse coletivo, saúde, ordem publica, segurança e, ainda mais, os interesses econômicos e sociais" (cf. tratado, 4ª ed. 1956, vol. III, p. 5).
24. "Como toda ação da Administração, o exercício do poder de policia e submetido ao principio de legalidade e ao controle jurisdicional" (Rivero, Droit administratif, 7ª ed. 1975, p.417).
25. Como se observa, e estreita a relação entre o poder de policia e a ordem publica, podendo-se afirmar que o bom funcionamento da ordem publica e função direta do pleno exercício do poder de policia do Estado.
PROTEÇAO DE BENS , SERVIÇOS E INSTALAÇÕES
26. Sob o titulo de Segurança Publica, todo capitulo da Constituição de 1988 e dedicado a policia e a sua atuação, fundamentada no poder de policia.
27. Mediante a atuação de diversos órgãos - policia federal, policia rodoviária federal, policia ferroviária federal, policias civis, policias militares e corpos de bombeiros militares -o poder de policia e exercido no Brasil, constitucionalmente, do modo mais amplo possível. A leitura atenta do art. 144 da Constituição em vigor, revela ao interprete, que a segurança pública e exercida para a preservação da ordem pública, bem como da incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 144, caput).
28. No âmbito municipal, as Guardas Municipais são destinadas, no exercício do poder de policia, a proteção de seus 'bens", "serviços" e "instalações". E as "pessoas"?
29. Nota-se que as Guardas Municipais colaboram no exercício da preservação da ordem pública, incidindo a respectiva ação sobre pessoas e patrimônio, que devem ficar incólumes quando se trata da segurança publica.
30. A Guarda Municipal destina-se, desse modo, a colaborar com os demais órgãos do Estado, na consecução da segurança publica diante do exercício da parcela de poder de policia de que e detentora. Protegendo "bens", "serviçO58 e ''instalações'', a Guarda Municipal pode exercer o poder de policia de que dispõe para vigiar pessoas no Âmbito municipal, cuja atitude ou ação possa, direta ou indiretamente, perturbar serviços, ou danificar bens e instalações .
31. Se, como diz Francisco Campos, na clássica Exposição de Motivos do Código Penal de 1940, "omnis civis est miles, isto e todo cidadão e militar, de certo modo, na manutenção da ordem publica, a fortiori, a Guarda Municipal, corpo policial, credenciado ate constitucionalmente, e organização que atua, com base no poder de policia, protegendo "bens" "serviços" e "instalações" e, nesse caso, como conseqüência, restringindo toda ação nefasta do cidadão, que atente contra esses três atributos, que interessam aos Municípios.
POLÍCIA E SUA AÇAO
32. De qualquer angulo que se considere, a Guarda Municipal enquadra-se no conceito de policia, elaborado pelos mais autorizados administrativistas da Itália e da França.
33. Santi Romano define policia como "a atividade administrativa que, mediante limitações, eventualmente coativas, a atividade privada, e entereçada a prevenir os danos sociais, que desta última podem derivar" (Principal de direito administrativo), 3a. ed. 1912 p.244).
34. ZANOBINI entede a policia como "a atividade da Administração Publica, dirigida a concretizar, na esfera administrativa, independentemente da sanção penal, as limitações impostas pela lei à liberdade dos particulares, ao superior interesse da conservação da ordem, da segurança geral, da paz social e de qualquer outro bem, tutelado pelas disposições penais". (Corso de direito administrativo, 1950, vol. V. p. 17).
35. Para Louis Rolland, o objetivo da policia e limitado a atividade de assegurar, de manter ou de restabelecer a ordem no pais (Précis de droit administratif, 9a. ed., 1947, p. 396).
36. Rivero ensina que, se a palavra policia designa, essencialmente, uma forma de ação, a linguagem corrente utiliza o vocábulo para designar o conjunto das pessoas encarregadas desse tipo de ação (Droit administratif, 7a. ed. 1975, p. 470).
37. Infere-se das considerações feitas, que a ação de qualquer modalidade de policia, fundada no poder de policia do Estado, e sempre dirigida a determinado setor, maior ou menor, pessoal ou patrimonial, da ordem publica.
COMBATE A CRIMINALIDADE
38. Quando se trata da proteção de "bens", "instalações" e "serviços", a ação policial das,Guardas Municipais, no atual texto da Constituição, não pode ficar restrita a esses três aspectos, porque protege, na pratica, evitar a ação deletéria de pessoas que procuram destruir, desestabilizar ou paralisar serviços públicos comunais.
39. Se a Guarda Municipal percebe que determinado indivíduo pretende danificar "bens" e "instalações" ou perturbar os "serviços municipais", o combate ao crime se impõe, porque existe estreita relação entre os três aspectos apontados e o agente do crime, que pretende atingi-los, de qualquer modo. Assim, a Guarda Municipal coíbe o crime, incidindo sua ação sobre o agente infrator.
40. O recrudescimento da criminalidade, pôr um lado, e, pôr outro lado, a ineficiência de uma policia preventiva e repressiva, levou a Guarda Municipal a desempenhar serviços ou trará privativos da Policia Militar.
41. Os integrantes das Guardas Municipais encontrasse mais próximos da população, já que seus homens aso recrutados entre pessoas que vivem o cotidiano do Município. Com a vivência dos problemas comunais é que levou o Legislador constituinte e reservar precisa regra jurídica constitucional a milícia do Município, como filosofia de ação e dirigida contra todo e qual quer tipo de violência, de tortura e de intimidação, que acaba conduzindo à corrupção.
GUARDAS MUNICIPAIS NA CONSTITUIÇAO
42. A atual constituição erigiu as regras jurídicas constitucional a criação, pelo Município, de Guardas Municipais, dando-lhe tríplice objetivo: "bens, serviços e instalações com forme dispuser a futura regra jurídica regulamentadora.
43. A interpretação sistemática de todo o titulo V e, em especial do capitulo 3Q desse titulo, reservado a segurança publica, revela, ao interprete, que a preservação da ordem publica compreende a proteção das pessoas e do patrimônio, dos bens, instalações e serviços.
44. Os bens públicos municipais, de uso comum, de uso especial e dominicais (Código Civil, art. 66, I, II, e III) são na realidade, suporte fálico das futuras instalações que, por sua vez, são o suporte dos serviços desempenhados pelo Município.
45. Esses bens, instalações e serviços, só podem estar em funcionamento, mediante ação continua dos funcionários públicos municipais. Se a Guarda Municipal protege "bens", "serviços" e "instalações", deverá proteger também os agentes públicos municipais. E também quem quer que se encontre no Município.
46. Pôr outro lado, quem atentara contra bens, serviços , instalações e agentes? A resposta e simples: qualquer pessoa, que pretenda perturba-los.
47. Dai, conclui-se, de imediato, que a ação da Guarda Municipal pode e deve incidir sobre todo aquele que atente contra a ordem publica, procurando desestabilizar o bom funcionamento do serviço publico municipal danificando bens e instalações. Seria censurável o integrante da Guarda Municipal e ate o próprio municipal que não interviesse contra, pôr exemplo, a destruição de aparelhos telefônicos e de caixas do correio públicos, no âmbito municipal.
48. De onde se conclui que era necessária e mesmo, indispensável, a inserção da regra jurídica constitucional, possibilita do a instituição das Guardas Municipais.
PROTEÇAO DA PESSOA HUMANA
49. Ha mais de mil anos, o Jurista Hermogeniano dizia que "todo direito e feito pôr causa do homem.
50. De nada adiantaria proteger "bens", "instalações" e "serviços" se esses três aspectos a serem protegidos não se referis sem a serviços do próprio Município.
E a proteção da pessoa humana?
51. Claro que os bens e as instalações podem ser danificadas pôr forças da natureza, mas o texto constitucional não se refere a essas causas de destruição. O legislador teve em mente proteger bens, instalações e serviços da ação deletérica do homem. Se, a Guarda Municipal vê um indivíduo, que pretende atentar contra o agente publico, que tem, a seu cargo, bens, instalações ou serviços, a Guarda Municipal, detentora de apreciável parcela do poder de policia, pode e deve proteger o servidor publico, impedindo toda ação do perturbador da ordem. Do mesmo, seria censurável a omissão da Guarda Municipal diante da ação do agente do crime.
Assim, a Guarda Municipal protege o funcionário do Estado e o particular resguardando-os de qualquer ação criminosa.
INTERPRETAÇAO SISTEMÁTICA
52. Nenhum artigo de lei deve ser interpretado, como dissemos, de modo pontua lhermeneutica ensina que a interpretação mais completa e a sistemática que, globalmente, inteira o dispositivo, dentro do contexto em que se insere.
53. A segurança publica, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos exercida, no âmbito municipal, pôr suas respectivas Guardas, cuja ação se destina a proteção mais ampla possível, dos bens, serviços e instalações, podendo, nesse caso, a Guarda, colher ação nefasta de indivíduos, preventiva e repressiva -mente, quando se trata da preservação da ordem publica, da incolumidade das pessoas, do patrimônio e dos serviços comunais.
ATRIBUIÇAO DA POLÍCIA MUNICIPAL
54. Em direito publico, administrativo e constitucional, "atribuição" e "medida de compenetrai". Escrevemos, em trabalho especializado, que, "no âmbito do Município, o poder de policia assegurou à Administração local os meios necessários a concretização de seu peculiar interesse, definindo-se, pois, latu sensu, aquele poder como a faculdade discricionária da Administração municipal de restringir a liberdade física ou espiritual dos munícipes de restringir a liberdade física ou espiritual dos munícipes - ou dos que se acham, momentaneamente, no Município, quando esta perturbe - ou ameace perturbar - a consecução do peculiar interesse da Comarca ou dos demais Munícipes. Surge, a propósito, o problema de distribuição da competência proibitiva, entre as autoridades do poder central e as do poder local" (cf.nosso livro Direito Administrativo Municipal, Rio, Forense, 1981, p. 277).
55. A autoridade de Roger Bonnard (cf. Precis de droit administratif, 1935, p. 328), escrevendo, na França, que e pais Unitário, salienta que, em matéria de policia, a competência não deve ser reservada exclusivamente nem ao poder central, nem as autoridades administrativas locais. Deve haver, quanto a esse particular, uma repartição da competência entre essas diferentes autoridades, como UMA PARTE PREPONDERANTE, EM PROL DAS AUTORIDADES ADMINISTRATIVAS COMUNAIS. A polícia deve ser. tanto quanto possível, POLÍCIA MUNICIPAL..
56. "Entende-se a razão pela qual o poder de polícia, no âmbito municipal, deva ser mais favorecido e mais amplo do que nas outras áreas, já que, nas coletividades publicas locais, a ACAO DA ADMINISTRAÇAO E M~IS DIRETA, INTENSA, PROFUNDA E FREQUENTE, em razão do maior numero de conflitos que surgem entre o poder publico e o administrado, reclamando-se, pôr isso mesmo, ação policial continua e eficiente "(cf. J. Cretella Junior, Direito Administrativo municipal, Rio, Forense, 1981, p.277). Isto foi escrito ha 18 anos e continua atual.
57. A ação da policia administrativa, no âmbito do Município, faz-se sentir antes que se manifestem desordens que ela pretende evitar, como também, assim que ocorrem essas desordens, intervindo o organismo policial para o restabelecimento do Estado anterior (cf. op. cit., Direito Administrativo Municipal, p. 279).
APLICAÇAO DOS PRINCÍPIOS AO CASO CONCRETO
Ordem e segurança pública
58. Não ha a menor duvida de que a ordem publica e a segurança publica interessam ao estado e ao cidadão. A Segurança publica, no Brasil, e da competência de varias modalidades de policiais, exercendo-se mediante a ação de diversos órgãos da Policia Federal, Civil, Militar, agora das Guardas Municipais.
59. Cabe aos Municípios a Constituição de Guardas Municipais, destinadas a proteção de seus bens, serviços e instalações .
60. O poder de policia que, como dissemos, e uma facultas do Estado, exercita-se, também, no âmbito do Município, concentrando-se na Guarda Municipal que, concorrentemente com os órgãos da Policia Militar, exerce atividades endereçadas ao combate da criminalidade. Se "omnis civis est miles", não ha a menor duvida de que o poder de policia, na órbita municipal, será exercido pelas Guardas Municipais, conforme determina a regra constitucional do art. . 144 § 8Q).
Não obstante o texto fale, expressamente, em "bens", "serviços'' e "instalações", e evidente que o objetivo da regra e a proteção total desses três interesses do Município, contra a ação criminosa de pessoas, que atente contra eles.
61. Assim, a Guarda Municipal pode, preventiva e repressivamente, impedir a ação de qualquer elemento que, em concreto, danifique bens, serviços ou instalações, ou que, pela atitude suspeita, de a impressão de que ira agir contra esses três interesses, enumera dos pelo texto constitucional.
PROTEÇAO DOS MUNICÍPIOS
62. Mais do que os próprios bens municipais, a proteção da pessoa humana é poder-dever da policia. De que adiantaria um bem, dissociado da pessoa, que possa usufrui-lo?
63. 0 poder de policia, exercido pelos guardas municipais, de peculiar interesse comunal, tem de ser autônomo, não podendo ser vinculado a outros órgãos policiais, como, pôr exemplo, a Policia Militar. O combate ao crime não e, assim, exclusivo da Polícia Militar, porque, se o fosse, o agente da Guarda Municipal deveria ficar omisso, quando a ação criminosa ocorresse fora do alcance da policia do estado, o que não teria sentido.
POLICIA MILITAR E GUARDA MUNICIPAL
64. "Competência", em direito administrativo, e a "medida da atribuição". Não e possível partilhar atribuições de modo absoluto, em todo território nacional. Apenas o texto constitucional pode faze-lo, como ocorre em incisos dos arts.21 e 22 da Constituição Federal.
65. Entretanto, ha determinados aspectos da ação humana criminosa, que não podem ficar sob a dependência de determinada modalidade de policia - a Federal, a Estadual, a Municipal, a Distrital.
66. Podem agentes policiais, de qualquer esfera, reprimir o crime, no exercício genérico do poder de polícia. Entretanto, no "quantum" de cada competência, existe uma atividade essencial e uma atividade complementar, alem da competência concorrente, quando o crime ocorre na presença de mais de um agente policial.
67. As milícias dos Municípios tem uma filosofia voltada contra todo tipo de violência, destinando-se, em especial, proteção dos bens, serviços e instalações comunais e esses três objetivos se inscrevem no âmbito do peculiar interesse do Município.
AÇÃO CRIMINOSA NO MUNICÍPIO
68. Se órgãos da Policia Militar esta ausente e ocorre ação criminosa no Município qual o poder-dever dos integrantes das Guardas Municipais? Cruzar os Braços? Impedir imediatamente a ação destrutiva ou solicitar permissão a Polícia Militar, cada vez que pretenda salvaguardar entidades publicas, agindo em nome da segurança publica
Vl - O PARECER
(respostas as perguntas formuladas)
Expostos os fatos, de modo objetivo, enunciada a CONSULTA, resumida em alguns quesitos, explicitados os textos, que dizem respeito a matéria, reunidos os PRINCIPIOS que convergem para o caso, aplicando-se, depois, ao caso concreto e CONSIDERANDO.
(a) que a segurança publica e dever do Estado, direito e responsabilidade de todos;
(b) que, nesse caso, e poder-dever das Guardas Municipais zelar pela segurança publica dos Municípes e de todas as pessoas que, mesmo transitóriamente, transitem pela Coluna;
(c) que o combate a criminalidade não e exclusivo ou privativo da Policia Militar, mas de todo o cidadão que, nesse particular, e detentor de fração do poder de policia, prevalecendo a regra "omnis civis est miles";
(d) que, a fortiori, o combate ao crime e também da competência das Guardas Municipais, a tal ponto que se o organismo se omitir, em um caso concreto, será responsabilidade pôr omissão, tendo culpa " in omitindo";
(e) que, nesse particular, a atividade da Guarda Municipal concorre com a da Policia Militar, prevendo e reprimindo o crime;
(f) que, conforme expressa regra jurídica constitucional, e função do Ministério Publico (art. 129, VII) o exercício do controle externo da atividade, na forma da futura norma jurídica complementar, a ser editada pelos Estados-membros;
(g) que a subordinação das Guardas Municipais a Policia Militar ou a Polícia Civil (art., 145 da Carta de 1988), vulneraria . o principio da autonomia municipal, postulado que a própria Constituição de 1988 consagra, conforme tem sido tradição, em nosso direito constitucional;
(h) que tal subordinação configuraria ingerência indenidade órgãos do Estado em atribuição específica do Município, representando' infração a regra constitucional da autonomia municipal;
(i) que e sem menor duvida "peculiar interesse do Município" a proteção de pessoas, de bens, de serviços e de instalações, no âmbito local, porque tais providências se inscrevem no campo da segurança publica e da própria defesa do Estado, pois quem defende "a parte" defende "o todo";
(j) que o processo legislativo, prescrito pela atual Constituição, permite ao Estado legislar sobre a ordem publica, objetivando tão alto, que não pode ficar ao sabor do Poder Executivo , que, nesse caso, teria competência para legislar sobre ordem publica, mediante decreto, o que, sem a menor duvida, propiciar a arbitrariedade administrativa, esvaziando o quantus de poder de policia local e subordinando sua ação a outra modalidade de polícias;
(l) que, nesse caso, na Constituição atual do Estado de São Paulo, devem ser inserida regra específica, conforme a lei do espírito da Constituição da Republica, determinando ipsis litteris , em consonância com paralelo modelo da Carta Magna, que "Os Municípios poderão constituir Guardas Municipais, com corpo policial local, destinadas a proteção das pessoas, dos bens, dos serviços e das instalações, conforme dispuser a lei, sendo sua atividade exercida para a preservação da ordem publica e da incolumidade das pessoas e do patrimônio", estamos em condições de responder as perguntas formuladas:
Pergunta:
Conforme o que dispõe o art. 144 da Constituição de 1988, a segurança publica e dever do Estado, direito e responsabilidade todos.
Nesse caso, a regra geral do art. 144, § 8º, que atribui as Guardas Municipais a proteção dos bens, serviços e instalações comunais, comporta ou não exceções, ditadas pela ocorrência de outros princípios constitucionais mais relevantes, encontrados na mesma Constituição?
Resposta:
O art. 144 da Constituição de 1988 tem de ser interpreta do DE MODO SISTEMATICO e o próprio título, em que se insere, denominado DA SEGURANÇA P0BLICA, fornece a resposta, porque" esta e dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, exercendo-se para a preservação da ordem publica e da incolumidade DAS PESSOAS e DO PATRIMÔNIO. O termo pessoas compreende os munícipes e todos aqueles que, mesmo fortuitamente, transitem pelo Município.
Assim, a regra jurídica constitucional do art. 144 § 8º e, ao mesmo tempo, clara, porque a segurança publica pode e deve ser assegurada pôr todos os selos de que dispõe o Estado, em qualquer esfera.
Alem disso, inúmeros princípios constitucionais que reportam, aqui e ali, em todo 0 texto, permitem interpretação sistemática desta regra, que se aplica as atribuições das Guarda Municipais, cuja competência incide, no Município sobre a proteção do cidadão, no combate a criminalidade
Pergunta:
E exclusivo da Policia Militar o combate ao crime? k atribuição concorrente com a polícia Militar a atividade das Guardas Municipais, visando a reprimir e prevenir qualquer tipo de crime?
Resposta:
O combate ao crime, de modo algum, e exclusivo da Polícia Militar. Sob este aspecto, a atividade das Guardas Municipais, reprimindo e prevenindo todo o tipo de crime e concorrente com a atividade da Policia Militar. Trata-se de atividade paralelas e não conflitantes. Nem uma se subordinam as outras. Devem, ambas as organizações, no amplo exercício do poder de policia, combater o crime, não devendo, as Guardas Municipais, ficar sob a Orientação ou dependência da Policia Militar.
Pergunta:
Conforme o que dispõe o art. 129, VII, e função do Ministério Publico o controle externo da atividade, na forma da futura lei complementar, a ser editada pelos Estados?
Resposta:
Como se sabe, entre as funções especiais a Justiça, encontram-se as desempenhadas pelo Ministério Publico, instituição permanente, a qual incumba a defesa da regra Jurídica.
E da competência do Ministério Publico o exercício do controle externo da classe policial, conforme determina a regra Jurídica complementar, que estabeleça, entre Estado, as atribuições e o Estatuto de cada Ministério Publico.
Assim, não ha a menor duvida de que esse controle externo poderá incidir sobre as Guardas Municipais, conforme o que determinar a futura regra jurídica regulamentadora.
Pergunta:
Vulnera ou não a autonomia municipal a subordinação das Guardas Municipais a Polícia Militar ou a Polícia Civil, como determina o art. 145, da atual Constituição do Estado de São Paulo ? Ta l dispositivo configura ou não ingerência indébita de órgãos de Estado, em atribuição do Município?
Resposta:
Na realidade, este artigo vulnera a autonomia Municipal pelo que, não tem eficácia, diante do novo texto constitucional. Esse dispositivo, que certamente era altera do pela nova Constituição do Estado, consagra a ingerência indébita de órgãos do Estado em órgãos tipicamente municipal, que e criado pelo poder local, precisamente para assegurar a concretização do peculiar interesse comunal.
Pergunta:
E do peculiar interesse do Município a proteção das pessoas contra a ação de criminosos?
Resposta:
Como dissemos, em nosso livro Direito Administrativo Municipal, 1981, p. 67, o peculiar interesse do Município não exclui outros interesses, como o interesse da União ou do Estado, porque peculiar significa predominância e não exclusividade, observando-se que "os interesses peculiares dos Municípios são os que entendem, imediatamente, com suas necessidades locais, e, indiretamente, em maior ou menor repercussão, com as necessidades gerais. O que os diferencia e a predominância, não a exclusividade" (cf. Antônio Sampaio Daria, Autonomia dos Municípios, na Revista da Faculdade de Direito de São Paulo, vol. 24, p. 419).
Desse modo, a proteção das pessoas contra a ação criminosa e problema de segurança publica, que interessa a União, aos Estados e aos Municípios. Mais ainda: e do peculiar interesse do Município a atividade das Guardas Municipais, que concorrerão, com outras policias, mas sem subordinação alguma, no combate ao crime.
Pergunta:
O processo legislativo prescrito pela atual Constituição permite ao Estado legislar sobre ordem publica e Policia Militar, mediante decreto?
Resposta:
O processo legislativo permite, ao Estado membro, legislar sobre a ordem publica e sobre Policia Militar, no âmbito estadual, mas a ordem publica e a Policia Militar deverão ser disciplinadas em lei, jamais em atos administrativo, como pôr exemplo, o decreto.
Permitir que o Chefe do Executivo, de cada unidade da Federação, mediante decreto, edite regras sobre a Ordem Publica e sobre a Policia Militar, seria conferir, ao Governante local, poderes que levariam arbitro.
Tais decretos devera ser. tão somente, cundum legem e, em hipótese alguma, cundam legem. "Decreto que crie direito novo "decreto ilegal" e, no nosso entender "inconstitucional"
Pergunta:
De lege ferenda, o que devera constar numa futura Constituição do Estado de São Paulo a respeito das Guardas Municipais;
Resposta:
Na Constituição do estado de São Paulo, que esta sendo elaborada, as Guardas Municipais, necessariamente, serão reguladas pela regra jurídica constitucional local, estadual, os artigos que devera ter a seguinte redação:
"Os Municípios, na preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, poderão criar Guardas Municipais, com competência local, destinadas a proteção das pessoas, dos bens, das instalações e dos serviços, conforme dispuser a lei"
ESTE O NOSSO PARECER
São Paulo, 17 de abril de 1989
J. CRETELLA JÚNIOR
Professor Titular de Direito Administrativo
Faculdade de Direito de São Paulo
Guarda Civil, Polícia por Direito?
1.1 Guarda Civil, Polícia por Direito?.
1.2 Poder de Polícia..
1.3 Da análise Constitucional.
1.4 Da interpretação do Código de Processo Penal.
1.5 Da Gratificação por Regime Especial de Trabalho Policial (RETP)
1.6 conclusão.
1.1 Guarda Civil, Polícia por Direito?
Ainda hoje, é muito comum ouvirmos em discussões pelas ruas ou mesmo em abordagens feitas por guardas civis, o questionamento trivial e corriqueiro de que o Guarda Civil não é policial, e logo, não tem a autoridade de efetuar abordagens, revistas pessoais ou revistas em veículos.
Quem nunca ouviu ou mesmo falou que Guarda Civil não é polícia. É com base nessa indagação que iremos estudar e analisar alguns pontos para tentar sanar essa dúvida e chegar a uma conclusão sobre o tema.
É de estrema importância, ao fazer uma abordagem dessa natureza, primeiramente, definir e conceituar o que é o poder de polícia.
1.2 Poder de Polícia
Este poder vem das antigas Polis gregas, derivados de polis (cidade), que originaram a política e a polícia. Assim sendo, polícia neste caso, significa o bem comum, podendo ser sacrificado o direito individual em prol do direito (bem comum) e da polícia (derivada de civilização/civilidade).
Os Estudiosos do Direito do século XVIII, já conceituavam o poder de polícia, como sendo a "Atividade estatal que limitava o exercício dos direitos individuais em beneficio da segurança".
Alguns dos doutrinadores do Direito Administrativo conceituavam de modo geral, que o poder de policia, "É a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em beneficio do interesse publico".
Quando falamos de polícia, nos referimos a todo o Estado e não apenas à Administração Pública, em um sentido mais lato é a Faculdade que tem o Estado, mediante lei, de restringir a liberdade e direito individual em prol do interesse de uma coletividade.
A Administração impõe restrições (não fazer), limitando as liberdades e usos, com um caráter negativo, por restringir.
Na Lição do saudoso e festejado Mestre Hely Lopes Meirelles, "Poder de Policia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado".
Apesar do poder de polícia, a qual é o foco deste estudo, ser um poder de polícia mais específico, conceituado por Hely Lopes Meirelles de Poder de Polícia de Manutenção da Ordem Pública, não podemos nos esquecer que a espécie faz parte do gênero e não o inverso.
Logo, vemos que a razão de existir do poder de polícia, se baseia na função da supremacia do interesse público sobre o privado, mantendo assim a ordem pública e o bem estar de todos. É claro que alguns estudiosos do direito poderiam indagar sobre a conceituação proposta, e dizer que "o gênero de poder de polícia de repressão contra os atos delituosos não se enquadra no conceito de poder de polícia da administração", no entanto seria um pouco ingênuo tentar desvincular a espécie do gênero, pois o conceito se baseia nas mesmas condições e por ordenamentos e princípios constitucionais que em seu intento busca as mesmas finalidades de modos diferentes, ou seja, a manutenção da ordem pública, o interesse coletivo e a paz social.
No Código Tributário Brasileiro, encontramos o conceito técnico, ou melhor, dizendo, o conceito legal, de Poder de Polícia:
Art. 78 Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente a segurança, a higiene, a ordem, aos costumes, a disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividade econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, a tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais e coletivos.
Nessa mesma linha de raciocínio, qual é a finalidade da Polícia Militar, senão tentar garantir a tranqüilidade social, a manutenção da ordem pública? E como a própria Polícia Militar de São Paulo, preceitua como lema: "Nos, Policiais Militares, Estamos Compromissados Com A Defesa Da Vida, Da Integridade Física E Da Dignidade Da Pessoa Humana". Então fica claro que não podemos deixar de lado a conceituação de poder de polícia em seu gênero para tentar chegar a uma finalidade do que seria o poder de polícia do Estado.
Observando dessa mesma maneira é verificado que a mesma finalidade que busca as diversas espécies de polícias, buscam as Guardas Civis, pois, fica muito evidente, quando da análise do lema da Guarda Civil Metropolitana do Município de São Paulo, estampado pelas suas bases e preceituando que: "Guarda Civil amiga leal e protetora".
1.3 Da análise Constitucional
Reza o artigo 144 da Constituição Federal
Art.144.
A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
Para alguns autores, o rol estabelecido neste artigo é taxativo e não exemplificativo, entretanto, sem entrar no mérito de ser o rol taxativo ou exemplificativo, as Guardas Civis, estão onde deveriam estar, no capítulo da Constituição que trata da Segurança Pública.
§ 8º. Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.
Ora, nesse momento alguns estudiosos do direito, poderiam afirmar, "então a matéria está pacificada pela própria constituição federal, que já definiu a atuação das Guardas Civis", entretanto, peço venia aos estudiosos que fazem tal interpretação simplesmente gramatical e sistemática, para discordar, pois, o que seria a proteção de seus bens e serviços, senão das pessoas que ali trabalham, dos munícipes que utilizam os serviços das prefeituras? Se pensássemos de forma diferente poderíamos já concluir que os Guardas Civis estão ali apenas olhando para os prédios vazios, árvores e monumentos pelas ruas.
É óbvio que esta não foi à finalidade do legislador quando preceituou a condição para os municípios da criação de Guardas Municipais, pois tratou do assunto em cápitulo que disciplinava a Segurança Pública, ou seja, caso fosse necessário, em alguns municípios seriam criadas as Guardas Municipais, para auxiliar na preservação da ordem pública, junto às policiais militar e civil. Tanto foi esta a intenção do legislador que, é público e notório, que em alguns municípios de Estados brasileiros de menor complexidade, não foram criadas Guardas Municipais, tendo em vista o baixo índice de criminalidade.
1.4 Da interpretação do Código de Processo Penal
O código de Processo Penal é um instrumento que em muito ajuda a sanar a dúvida, que é motivo de muita discussão acadêmica, principalmente no direito castrense. Fazendo então um exercício mental, poderemos chegar a algumas contradições quando se afirma que o Guarda Civil, não é policial.
No artigo 301 do Código de Processo Penal, esta disposto que:
Art.301.
Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.(grifamos)
Nesse sentido, imaginando que A, estava matando B na rua e de outro lado encontrava-se estacionada uma viatura da Guarda Civil, com dois agentes, pergunta-se: seria fato típico do artigo 319 do código penal ou até mesmo a combinação com o artigo 13, parágrafo segundo do mesmo diploma, que os guardas civis, que viram a conduta de A matando B, o deixarem sair sem tomar qualquer atitude ou mesmo prendê-lo?
Para responder essa pergunta, primeiro é necessário saber se o Guarda Civil é agente de polícia ou não, pois se for entendido que não, poderiam os guardas simplesmente olhar a conduta de A matando B, e sair com sua viatura sem nada fazerem, pois, a questão da prisão ficaria a seu livre arbítrio?
Estabelece o artigo 13 parágrafo 2° do Código penal:
Relação de causalidade
Art.13.
O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
Relevância da omissão
§ 2º. A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.
Determina o artigo 319 do Código Penal
Prevaricação
Art.319.
Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
Verificando a situação hipotética e fazendo uma análise dos dispositivos penais, são sujeitos ativos dos tipos penais os guardas que deixaram A sair sem o prendê-lo ou mesmo tentar evitar o homicídio, pois, pensar de forma diversa, seria no mínimo um absurdo, ferindo princípios como da Dignidade da Pessoa Humana, Legalidade e Moralidade dos atos dos agentes públicos e até mesmo falta de zelo com a destinação do dinheiro público, uma vez que é investido milhões de reais, em viaturas, armas, treinamentos e simplesmente ficaria a critério do guarda agir ou não, como que se não tivesse o dever legal de evitar o crime.
1.5 Da Gratificação por Regime Especial de Trabalho Policial (RETP)
É de conhecimento no meio policial o jargão que "O Policial tem hora para entrar de serviço, só que não tem hora certa pra sair".
Essa frase feita, mas de grandes conseqüências, mostra um pouco da vida estressante e corrida dos policiais.
É certo que nenhum policial no Brasil, ganha qualquer remuneração a mais por passar da hora de sair de serviço, ou como dizem no direito trabalhista não tem o direito à hora extra, e é exatamente por causa do RETP, que o policial não recebe remuneração por horas extras prestadas em suas atividades, pois por ser uma função que necessita de atenção e dedicação máxima, é pago aos policiais além de seu salário e benefícios, é pago também um adicional extra, chamado de Regime Especial de Trabalho Policial, o que o torna remunerado, mesmo que estando de folga, por seu trabalho policial, seria como um plus, uma vez que o RETP é a metade do salário base do policial que compõe sua remuneração.
Pensado que os Guardas Civis[1] recebem o RETP, não sendo considerados policiais, por alguns estudiosos, não seria o caso então de uma ação por parte do Ministério Público contra a prefeitura que pagasse tal beneficio? Afinal de contas estão gastando dinheiro público indevidamente então não seria cabível a responsabilidade do Ministério Publico que estaria nesse caso sendo omisso com o interesse da população?
Mas felizmente não é assim a questão e por isso não há intervenção do órgão ministerial, pois o pagamento do RETP ao Guarda Civil é pago devidamente, pois ele exerce a função de policial e deve receber por aquilo que trabalha, agora caso o contrário estaria o Guarda Civil sendo lesando por exercer uma atividade de risco e insalubre e não receber por isso, pois é comum, que Guardas Civis se depararem com ocorrências, ficando por horas além de seu turno nas delegacias de polícia acompanhando a lavratura de autos de prisão em flagrante.
Para não restar dúvidas quanto à legalidade do recebimento de RETP pelos guardas civis, peço venia mais uma vez para invocar a lição do saudoso mestre Hely Lopes Meirelles que ensina que:
"Cargo Público é o lugar instituído na organização do serviço público, com denominação própria, atribuições especificas e estipêndio correspondente, para ser previsto e exercido por um titular, na forma estabelecida na lei".
"Função é a atribuição ou conjunto de atribuições que a Administração confere a cada categoria profissional, ou comete individualmente a determinados servidores para a execução dos serviços eventuais".
Persiste o mestre dizendo que:
"Todo o cargo tem função, mas pode haver função sem cargo".
É nesse entendimento que firmo a base para preceituar que o Guarda Civil, se não tem o cargo de policial em nomenclatura, o tem em desígnios, pois exerce sem sobra de dúvidas o húmus público da função policial.
1.6 conclusão
Após fazermos uma pequena análise e ainda que superficial, do Poder de polícia da Guarda Civil, foi possível constatar que o Direito Administrativo, validado pela Constituição Federal, declina essa autoridade às Guardas Municipais, sem que com isso viole qualquer preceito constitucional, pois, independe do fato de alguns estudiosos afirmarem que o rol do artigo 144 da Constituição Federal é taxativo, ninguém em sã consciência jurídica, poderia negar que não existe direito absoluto, (com exceções da clausulas pétreas), logo não há contradição quando dizemos que o texto constitucional abriu esse leque para as prefeituras contribuírem na manutenção do Estado Democrático de Direito.
A tese publicada na Revista Força Policial n° 45/2005 por um membro da Polícia Militar, afirma que há interferência dos órgãos municipais na atividade de segurança pública, e deixa de lado atividades de cunho social, chegando a afirmar em sua tese que existe gasto desnecessário das prefeituras com os membros das Guardas Civis, sustentando a tese de que a mesma função poderia ser efetivamente efetuada pela Polícia Militar. E mais, afirma em certo momento até mesmo a questão da Lei da Responsabilidade Fiscal, esquecendo-se, entretanto que esta lei, também é valida em nível estadual e federal.
Propõem ainda o policial militar nesse trabalho, a possibilidade de atuação das Guardas Civis, sob supervisionamento da Polícia Militar, o que seria uma verdadeira discrepância jurídica, tendo em vista a interferência de esferas de poder.
Após ler diversos artigos sobre o poder de polícia das Guardas Municipais, elaborado por membros de outras instituições, chego a triste e lamentável conclusão que existem alguns membros de outras classes de polícia, que vêem a Guarda Municipal, não como uma aliada no combate à criminalidade, mas como um concorrente que roubará a vez nos noticiários policiais, deixando de lado a finalidade da existência da força policial, por capricho "de um irmão mais velho enciumado".
Dizer que as Guardas Municipais, não tem poder de polícia, com todo o respeito a opiniões e teses contrárias, é sem sombra de dúvidas não avistar a imensidão do direito e ficar a estreita de interpretações retóricas e demagogas.
AUTOR: MOISES RESENDE MOREIRA
ADVOGADO OAB/SP 224289
MEMBRO DA Coordenadoria de Cidadania, Ação e Integração SOCIAl da oab/sp.
ESPECIALISTA EM DIREITO PENAL PELA FMU
ESPECIALISTA EM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DAS POLÍCIAS MILITAR/CIVIL/GUARDA CIVIL
docente ensino superior
advogado militante. NA ÁREA PENAL.
Fundamento constitucional do art. 144 § 8º da Magna Carta, exercício do poder de Pollcía de trânsito como competência da guarda municipal
Roseniura Santos
Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Sergipe, especialista em Direito do Trabalho e Processo Administrativo-Fiscal Trabalhista pela UnB, professora de Direito Constitucional e Administrativo
Nosso estudo tem como base os fundamentos de precedentes judiciais que determinaram a suspensão dos efeitos de todas as multas lavradas pela guarda municipal e declararam nulidade da norma municipal que regulamentava a atuação destes agentes públicos.
Alguns precedentes têm principalmente como fundamento constitucional o fato de o art. 144 § 8º da Magna Carta não se referir ao exercício do poder de polícia para apuração de infrações de trânsito como competência da guarda municipal, inclusive para aplicação de multas.
Da análise da polêmica emerge a questão fundamental: pode a guarda municipal investir-se de competência para fiscalizar o trânsito e para aplicar multas?
Pretendemos com este modesto estudo responder à questão suscitada com objetividade e ampla fundamentação de modo a colaborar efetivamente com as discussões acerca do tema.
2.Pode a guarda municipal investir-se de competência para fiscalizar o trânsito e aplicar multas?
2.1.– A concepção do perfil constitucional do Município: uma questão fundamental - a resistência em tratar o Município como ente político autônomo na Federação Brasileira.
Em outros estudos nossos concernentes a Direito Municipal e, em especial deste, percebemos que muitas posições teóricas quanto ao caráter jurídico – constitucional dos municípios brasileiros estão permeados por uma visão jurídica estrábica, viciada por uma falsa noção deste ente federativo.
O município brasileiro teve como embrião histórico os municípios portugueses. No Brasil-Colônia o município brasileiro ganhou caracteres particulares não obstante as diretrizes da Coroa Portuguesa.
A Constituição de 1824 dispôs em seus artigos 167 a 169 sobre a administração das cidades e criou câmaras municipais compostas por membros eleitos, possuindo certa autonomia.
Em 1834, a lei n. 16 de 12/08 reduziu a autonomia municipal, transferindo para a esfera de competência das assembléias da província boa parte das atribuições municipais. Foi um golpe na autonomia dos municípios.
A Constituição do 1891, no art. 68, restabelece a autonomia, dispondo que "os estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia municipal em tudo quanto respeite ao peculiar interesse".
A Constituição de 1934 manteve a autonomia, entretanto a Constituição de 1937 concebida pelo regime ditatorial de Vargas a reduz. A Constituição seguinte de 1946 devolveu em parte a autonomia municipal mantida com mitigações pela Carta Política de 1964 e pela Emenda nº 1 de 1969.
A Constituição vigente definitivamente traçou o perfil autônomo dos municípios brasileiros de modo categórico. Não poderia dispor a Constituição Cidadã de 1988 diferentemente.
Vejamos:
"Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
(...)
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
(...)
c) autonomia municipal;
(...) ". Destacamos.
A interpretação sistemática das disposições transcritas não deixa dúvidas: o Município brasileiro integra a federação e lhe é assegurada uma esfera de competências que não pode ser invadida pela União ou pelos Estados-membros, sustentando a medida extrema da intervenção em caso de desrespeito.
Esta apertada síntese da evolução histórica revela que, quanto mais autoritário é o regime político, menor é a autonomia municipal.
2.1.1.– As competências municipais.
Referimo-nos à expressão autonomia várias vezes. Aqui é o ponto em que cabe definir seu conceito.
Autonomia, no âmbito da relação federativa, é a faculdade jurídica de governar a si mesmo política e administrativamente. Ou nas palavras do professor Michel Temer " é a capacidade conferida a certos entes para a) legislarem sobre b) negócios seus c) por meio de autoridades próprias" [01].
A autonomia política é a capacidade de certas entidades se organizarem segundo as leis que adotarem e comandarem politicamente os rumos de uma sociedade.
Autonomia administrativa diz respeito à capacidade de auto-organização das estruturas para gestão do interesse público no âmbito de suas competências: serviços públicos locais, estrutura da administração municipal, servidores, etc.
Neste âmbito de atuação autônoma, estabelecem-se delimitações legais a que se denominam competências. A definição do mestre José Afonso da Silva é precisa. Competência é "a faculdade juridicamente atribuída a uma entidade, ou a um órgão ou agente do Poder Público para emitir decisões [02]".
Sistemas de repartição de competência tradicionalmente adotam o critério da predominância do interesse. Assim, as matérias pertinentes ao interesse nacional serão atribuídas ao órgão central, enquanto aos Estados-membros e aos Municípios são reservadas as matérias relativas aos interesses regionais ou locais respectivamente
Tais competências se classificam em legislativa e administrativa. A competência legislativa se expressa no poder de a entidade estabelecer normas gerais. Enquanto a administrativa, ou material, cuida dos atos concretos do ente estatal, ou seja, da atividade administrativa.
Fixadas estas noções cabe atentar que é, no espaço da administração municipal, que se apresentam os problemas do cotidiano das pessoas. É o Município que é fiscalizado mais diretamente pela sociedade. Esta natureza dinâmica da vida municipal justifica a ampliação de seu âmbito de atuação.
Como observa Temer:
"Os Municípios titularizam competências próprias. Di-lo o art. 30. Tudo o que disser com a administração própria no que respeite ao seu interesse local. Caracterizada a matéria como sendo de interesse local só o legislador dela poderá cuidar.
Doutrina e jurisprudência, ao tempo da Constituição anterior, se pacificaram no dizerem que é peculiar interesse aquele que predomina o do Município no confronto com os interesses do Estado e da União. Peculiar interesse significa interesse predominante. Interesse local é expressão idêntica a peculiar interesse" [03]. Grifos originais.
Observa o mestre HELY LOPES MEIRELES:
"(...) o assunto de interesse local se caracteriza pela predominância ( e não pela exclusividade) do interesse para o Município, em relação ao do Estado e da União. Isso porque não há assunto municipal que não seja reflexamente de interesse estadual e nacional. A diferença é apenas de grau, e não de substância" [04].
A competência do Município para organizar e manter serviços públicos locais está reconhecida constitucionalmente como um dos princípios asseguradores de sua autonomia administrativa (art. 30). A única restrição é a de que tais serviços sejam de seu interesse local. O interesse local, como já definimos, não é o interesse exclusivo do Município, porque não há interesse municipal que o não seja, reflexamente, do Estado-membro e da União. O que caracteriza o interesse local é a predominância desse interesse para o Município.
Conclusivamente, podemos afirmar que matéria de interesse local ou peculiar não é aquela que interessa exclusivamente ao Município, mas aquela que predominantemente afeta aos munícipes. Logo não se pode excluir matérias do rol dos temas a serem legislados pelo Município. Basta que haja interesse local para fixar-se a competência municipal.
2.2.– O Sistema Nacional de Transito.
2.2.1. Trânsito, direito à vida e à cidadania: fiscalização do trânsito, um serviço público essencial.
Transitar livre e seguramente é em última análise garantir o direito à vida. É direito de todos e dever do Poder Público assegurá-lo. Para tanto devem os entes públicos administrar este interesse de modo eficiente.
Administrar é gerir interesses alheios. Em seu sentido objetivo, administração Pública é a gestão de bens e de interesses públicos. Em outras palavras é:
"(...) a gestão de bens e interesses do povo, com um mínimo de sacrifício dos direitos e garantias individuais, visando o bem comum. A função administrativa compreende, fundamentalmente, o planejamento, a tomada de decisões e a execução para alcançar os fins estatais [05]."
Conforme definição do professor MEIRELLES, serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, com fim de satisfazer necessidades da coletividade ou conveniências do Estado.
Essenciais são aqueles serviços que a Administração presta diretamente à comunidade, por reconhecer ser necessário para a sobrevivência do grupo social e do próprio Estado.
O controle do trânsito pelo Poder público é serviço de relevante interesse social. É serviço que, por sua natureza, é essencial. Neste sentido, as considerações da resolução do CONTRAN n. 166/2004 são categóricas:
(...) "Um trânsito ruim e no limite criminoso, por falta de consciência dos seus perigos e por falta de punição, aproxima-nos da barbárie e do caos. Por outro lado, um trânsito calmo e previsível estabelece um ambiente de civilidade e de respeito às leis, mostrando a internalização da norma básica da convivência democrática: todos são iguais perante a lei e, em contrapartida, obedecê-la é dever de todos.
Diferentemente de algumas outras normas sociais, que podem ser rompidas ou ignoradas sem que ninguém perceba, as normas de trânsito produzem um efeito imediato, levando, sua obediência ou não, à manutenção da qualidade de vida do cidadão e da coletividade, ou a resultados desastrosos. Com isso, o trânsito configura-se em uma notável escola de e para a democracia.
O Código de Trânsito Brasileiro e a legislação complementar em vigor vieram introduzir profundas mudanças no panorama institucional do setor. Para sua real implementação em todo o País, muito é preciso ainda investir, principalmente no que diz respeito à capacitação, fortalecimento e integração dos diversos órgãos e entidades executivos de trânsito, nas esferas federal, estadual e municipal, de forma a produzir efeito nacional, regional e local e buscando contribuir para a formação de uma rede de organizações que constituam, verdadeiramente, o Sistema Nacional de Trânsito. [06]
Uma política de trânsito deve ter o cidadão brasileiro como foco de todas as ações. Dentro desta visão cidadã, sendo a segurança no trânsito uma questão mundial grave e urgente e tendo em conta que as estatísticas alarmantes de mortes prematuras em ocorrências de trânsito são assustadoras; faz-se necessário uma intervenção efetiva das esferas estatais e não há como negar a essencialidade do serviço de policiamento do trânsito.
2.2.2.– Competências dos Municípios no Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
O Código de Trânsito Brasileiro (lei nº 9503/1997) estrutura o Sistema Nacional de Trânsito, estendendo aos Municípios as competências executivas de gestão do trânsito.
O Sistema Nacional de Trânsito - SNT, é o instrumento de efetivação da política nacional e é formado pelo conjunto de órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, objetivando o planejamento, administração, normalização, pesquisa, registro e licenciamento de veículos, formação, habilitação e educação continuada de condutores, educação, engenharia, operação do sistema viário, policiamento, fiscalização, julgamento de infrações e de recursos e aplicação de penalidades.
O CTB fixou a competência municipal expressamente nos artigos 21 e 24, não restando dúvidas quanto à competência municipal nesta esfera.
Entretanto se não o fizesse, a matéria não estaria fora do alcance da competência municipal para legislar e administrar o trânsito municipal em tudo quanto se referir ao interesse local. É do professor MEIRELES a conclusão:
"Exemplos típicos dessa categoria são o trânsito e a saúde pública, sobre os quais dispõem União (regras gerais: Código Nacional de Trânsito, Código Nacional de Saúde Pública), os Estados (regulamentação: Regulamento Geral de Trânsito, Código Sanitário Estadual) e o Município (serviços locais: estacionamento, circulação, sinalização etc; regulamentos sanitários municipais) [07]. Destacamos.
Também TEMER assentou:
"Exemplificando: é de competência da união legislar sobre tráfego e trânsito nas vias terrestres (art. 22, XI). Entretanto, não se põe em dúvida a competência do Município para dispor sobre tais matérias nas vias municipais. Estacionamento, locais de parada, sinalização, mão e contramão de direção corporificam matérias de peculiar interesse municipal. Afastam a legislação estadual e federal [08]". Grifos nossos.
Além disso, há previsão legal expressa de competências em matéria de trânsito exercitável pelo Município. Dispõe o art. 21 do CTB sobre competências gerais dos órgãos e entidades integrantes do SNT. No art. 24, o CTB fixa as competências municipais dentre as quais destacamos os itens respeitantes ao nosso estudo.
Vejamos:
Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:
I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas atribuições;
VI - executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito;
VII - aplicar as penalidades de advertência por escrito e multa, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar;
VIII - fiscalizar, autuar e aplicar as penalidades e medidas administrativas cabíveis relativas a infrações por excesso de peso, dimensões e lotação dos veículos, bem como notificar e arrecadar as multas que aplicar;
Os preceitos legais destacados fixam competência para o exercício do poder de polícia pelo Município. Para exercê-lo a Administração Municipal necessita de estruturas e equipar de recursos materiais, técnicos e humanos para desempenhar seu múnus.
Como já anotamos:
(...), "conclui-se correto afirmar que a competência para agir deve corresponder igualmente à competência para legislar sobre a matéria"
(...) Somente pode a Administração agir quando previamente autorizada por lei, a diferença entre competência legislativa e administrativa fica muito reduzida de conteúdo, porquanto a ação administrativa sempre será necessariamente precedida de legislação [09]. Grifamos.
É pertinente aqui registrar a lição de IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, para quem:
"A dificuldade, todavia, que se coloca é que, regido o país pelo princípio da legalidade, nenhuma entidade federativa pode agir, sem ter legislação anterior que a autorize, de tal forma que tanto o art. 21 quanto o art. 22 cuidam, em verdade, de competência para legislar sobre aquelas matérias. O mesmo se pode dizer no que concerne à competência comum e/ou concorrente, visto que a ação é sempre precedida de legislação (...)" [10].
Há de se observar as noções dos mestres aqui transcritas. Delas concluímos que, ao fixar a competência administrativa municipal para fiscalizar o trânsito, implícita e indubitavelmente, também se estabeleceu competência legislativa que deve ser exercida de modo autônomo, respeitando-se os limites estabelecidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual pertinente. Delas também extraímos fundamento para a conclusão no sentido de que o múnus municipal determinado pelo CTB implica a necessidade de o Município estruturar-se administrativamente para bem desempenhá-lo.
A integração do Município ao SNT pressuposto para o exercício das competências legais imputáveis ao ente municipal conforme dispõem o CTB arts. 24 § 2º e 333 e Resoluções do CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito).
"Art. 24, § 2º - Para exercer as competências estabelecidas neste artigo, os Municípios deverão integrar-se ao Sistema Nacional de Trânsito, conforme previsto no art. 333 deste Código.
Art. 333. Art. 333. O CONTRAN estabelecerá, em até cento e vinte dias após a nomeação de seus membros, as disposições previstas nos arts. 91 e 92, que terão de ser atendidas pelos órgãos e entidades executivos de trânsito e executivos rodoviários para exercerem suas competências.
1º Os órgãos e entidades de trânsito já existentes terão prazo de um ano, após a edição das normas, para se adequarem às novas disposições estabelecidas pelo CONTRAN, conforme disposto neste artigo.
2º Os órgãos e entidades de trânsito a serem criados exercerão as competências previstas neste Código em cumprimento às exigências estabelecidas pelo CONTRAN, conforme disposto neste artigo, acompanhados pelo respectivo CETRAN, se órgão ou entidade municipal, ou CONTRAN, se órgão ou entidade estadual, do Distrito Federal ou da União, passando a integrar o Sistema Nacional de Trânsito.
Compete, pois ao CONTRAN estabelecer as normas e padrões exigidos pelos entes estaduais ou municipais que se integrarem ao Sistema Nacional de Trânsito e a serem praticados por todos os órgãos e entidades do Sistema(CTB art 91).
Especificamente em relação à integração dos Municípios ao sistema nacional o CONTRAN, através da Resolução nº 166 de 15 de setembro / 2004, no item 2.1.4.1, dispôs que:
"A integração do município ao Sistema Nacional de Trânsito independe de seu tamanho, receitas e quadro de pessoal. É exigida a criação do órgão de trânsito e da Junta Administrativa de Recursos de Infrações - JARI, à qual cabe julgar os recursos interpostos pelos presumidos infratores".
Como se vê. não se condiciona a integração do município ao SNT à existência de quadro de pessoal especializado. Ilação que nos leva ao centro da questão objeto de nossa análise sintetizada na indagação seguinte: podem os Municípios utilizar estruturas já existentes como a Guarda Municipal para fins de policiamento do trânsito?
O exposto até agora nos conduz à resposta positiva. Nos itens subseqüentes apresentamos os fundamentos intrínsecos de nossas conclusões.
2.3.– O tratamento constitucional dispensado às Guardas Municipais.
Ao analisar os precedentes jurisprudenciais, sobretudo sob o prisma constitucionalista, à prima vista chama atenção o fato de a decisão apresentar como fundamento constitucional, singelamente, o art. 144 § 8º da Constituição Federal / 1988 a partir de uma interpretação literal e isolada do dispositivo.
Como advertimos, em estudo por nós publicado é imperativo estudar a Constituição Federal cuidadosa e sistematicamente. No mesmo sentido é a lição do professor Paulo Bonavides:
"A interpretação de todas as normas vem regida basicamente pelo critério valorativo de natureza mesma do sistema. Faz-se assim suspeita ou falha a análise interpretativa de normas consideradas insularmente, à margem do amplo contexto que deriva do sistema constitucional. De modo que nenhuma liberdade ou direito, nenhuma norma de organização ou constituição do Estado será idônea, fora dos cânones da interpretação sistemática, única apta a iluminar a regra constitucional em todas as suas possíveis dimensões para exprimir-lhe corretamente o alcance e grau de eficácia. [11]".
Ora a declaração de inconstitucionalidade pelo Judiciário de atos de seus órgãos ou dos demais Poderes requerer solidez extraordinária exigida pela Constituição. Isto porque a imputação de inconstitucionalidade é decisão de graves repercussões nas relações jurídico - constitucionais.
Exemplificando o afirmado, basta mencionar o preceito do art. 85 da CF / 1988 que tipifica genericamente como crime de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal.
Dentro de um sistema constitucionalista como o nosso, é evidente que qualquer decisão declaratória de inconstitucionalidade de atos deve se revestir de fundamentação reforçada. Não pode ser proferida como decisões outras em que a preservação da autoridade de normas constitucionais não está em jogo.
Obviamente toda decisão judicial deve ser fundamentada como dispõe o art 93, IX da CF / 1988. Entretanto no que tange à declaração de inconstitucionalidade, para garantir cautela por parte do Poder Judiciário, a Carta Magna vigente determinou:
"Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público". Destacamos.
O dispositivo transcrito não exige expressamente uma fundamentação reforçada, mas dá indicativos seguros de que decisão em matéria de controle de constitucionalidade se distingue das demais. Tal exigência, por nós referida, decorre de uma análise sistemática e da percepção da Constituição como norma fundamental de toda ordem jurídica.
Feitas estas observações, pomos em relevo nossa crítica aos precedentes relativamente à fundamentação desprovida de argumentação substanciosa e à afoiteza interpretativa do § 8º do art 144 da Lei Maior.
Textualmente dispõe a CF / 1988:
Art. 144 (...)
8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.
A CF, como se vê, apenas faculta a criação da Guarda Municipal por isso não a listou nos incisos do mesmo art. 144 como órgão do sistema de segurança pública..
O dispositivo transcrito situa-se no capítulo III referente à segurança pública do TÍTULO V (Da Defesa do Estado e Das Instituições Democráticas). A segurança pública consiste em serviços destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. A Guarda Municipal segundo a letra do dispositivo em exame é a segurança ou proteção dos bens, serviços e patrimônio municipais.
Observe-se que as expressões constitucionais são genéricas. A nosso ver, a CF fê-lo assim propositalmente para respeitar as realidades diversas.
O problema que aqui sobressai é perquirir qual o âmbito de competência da Guarda Municipal e se a lei pode ampliá-lo.
No item seguinte, apresentamos argumentos para responder afirmativamente à questão.
2.4.– A possibilidade do exercício do poder de policia de trânsito pela Guarda Municipal.
2.4.1. – Inexistência de veto expresso pela Constituição e pelo CTB.
Como já destacamos, ao dispor sobre a Guarda Municipal, a CF em vigor limitou-se a facultar à criação e, genericamente, a referir à missão de proteger bens, serviços e o patrimônio da municipalidade.
Observamos primeiro que não há dispositivos constitucionais que vetem expressa e taxativamente a possibilidade de além de atribuir à Guarda Municipal outra função que não seja a segurança dos interesses do Poder Público Municipal referidos pelo preceito constitucional do § 8º do art. 144 da CF.
A primeira leitura do dispositivo pode levar à conclusão de que a competência ali enunciada é restrita e insuscetível de ampliação. Concluir assim sem maior investigação é por de lado o sistema constitucional, seus princípios e valores mais amplos e fundamentais à integridade constitucional.
Para ilustrar a pertinência de nossa crítica e preocupação expressa no item anterior quanto aos cuidados com interpretação literal e isolada de normas constitucionais, lembramos a polêmica quanto à sobrevivência do jus postulandi na Justiça do Trabalho e nos Juizados de Pequenas Causas. Discutiu-se nos tribunais a não recepção constitucional da regra celetista que garantia o acesso à Justiça Trabalhista sem a presença do advogado. O fundamento era a interpretação do art. 133 da CF / 1988 que dispõe textualmente que o advogado é indispensável à administração da justiça. No entanto a Jurisprudência dos Tribunais Trabalhistas e do Supremo Tribunal Federal superaram a textualidade da expressão legal (indispensável à administração da justiça) por meio de interpretação sistemática.
A citada jurisprudência habilita nossa ilação de que o tratamento constitucional dado à Guarda Municipal não pode se resumir à letra do referido dispositivo.
Evidente é que a finalidade para que foi pensada a Guarda é proteção do patrimônio e serviços municipais, mas não há empecilho constitucional para alargamento da competência por força de lei. Deve-se atentar para o enunciado da cláusula de discricionariedade legislativa (conforme dispuser a lei) e investigar o grau de liberdade para a atuação normativa municipal.
O âmbito da discricionariedade normativa delimita-se pela matéria e pelo princípio da razoabilidade. Ora imputar às Guardas Municipais o exercício de policiamento de trânsito está dentro do linde material, pois não se deve esquecer a localização normativa do dispositivo que é o capítulo da segurança pública.
Aliás, isto não passou despercebido pelo STF. Em 12 de novembro de 2003, a Suprema Corte, através de decisão monocrática do Ministro Maurício Correia, julgou liminar antecipatória de tutela concedida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
"(...) 9. A liminar concedida não merece subsistir, tendo em vista os valores que o artigo 4º da Lei 8437/92 visa proteger e o dano efetivo que o seu cumprimento imediato causará à segurança pública e à disciplina de trânsito, além dos eventuais malefícios aos munícipes." (Proc.: Classe / Origem - STA 9 / RJ - SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA - Min. MAURÍCIO CORRÊA DJ DATA- 26/11/2003 P - 00009) Grifamos.
A Lei Magna textualmente refere-se à proteção do patrimônio municipal, mas a segurança pública consiste nos serviços de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 144, caput da CF). Assim afigura-nos razoável a atribuição à Guarda Municipal do múnus já mencionado por não fugir do campo da matéria segurança pública uma vez que o policiamento do trânsito visa preservar a incolumidade das pessoas. Respeitadas as esferas de competências dos outros entes integrantes do Sistema Nacional de Trânsito, as medidas neste sentido são, a nosso ver, constitucionais.
2.4.2. – O caso da Polícia Militar.
Nesta discussão, intriga-nos o caso da Policia Militar que também tem dispositivo constitucional no mesmo capítulo da segurança pública. A Lei Maior preceitua que a segurança pública será exercida através, inclusive, das polícias militares e corpos de bombeiros militares (CF art 144, V).
No § 5º do mesmo artigo, determina a CF que às polícias militares cabem a preservação da ordem pública e aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
O CTB no art. 7º, VI dispõe que as Polícias Militares dos Estados e Distrito Federal integram o SNT. E, em respeito à autonomia político - administrativa, dos Estados –membros, estabelece no art. 23:
"Art. 23. Compete às Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal:
III - executar a fiscalização de trânsito, quando e conforme convênio firmado, como agente do órgão ou entidade executivos de trânsito ou executivos rodoviários, concomitantemente com os demais agentes credenciados; "
O curioso é que o exercício de polícia de trânsito pelas Polícias Militares não tem sofrido oposição dos tribunais. No entanto se para estas estruturas o exercício é legítimo, também o será para as Guardas Municipais.
Esta nossa observação causa certa perplexidade, autorizando concluir que a interpretação constitucional restritiva adotada para as Guardas dos Municípios por alguns tribunais estaduais não tem motivação consistente.
2.4.3.– A essencialidade do serviço de fiscalização do trânsito e os princípios da razoabilidade e da eficiência.
No item 2.2.1, assentamos o caráter de essencialidade do serviço de controle do tráfego de pessoas e veículos.
Com espeque neste traço de essencialidade do serviço, entendemos que a imputação de competência de policiamento do trânsito é solução que se respalda nos princípios da eficiência e da razoabilidade.
A CF/1988 fixa como principio de observância obrigatória por todas as esferas e níveis da administração, dentre outros, o princípio da eficiência.
Como posto por CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO:
"Quanto ao princípio da eficiência, não há nada a dizer sobre ele. Trata-se, evidentemente, de algo mais do que desejável. Contudo, é juridicamente tão fluido e de tão difícil controle ao lume do Direito, que mais parece um simples adorno agregado ao art. 37 ou o extravasamento de uma aspiração dos que burilam no texto. De toda sorte, o fato é que tal princípio não pode ser concebido (entre nós nunca é demais fazer ressalvas óbvias) senão na intimidade do princípio da legalidade, pois jamais suma suposta busca de eficiência justificaria postergação daquele que é o dever administrativo por excelência. Finalmente, anote-se que este princípio da eficiência é uma faceta de um princípio mais amplo já superiormente tratado, de há muito, no Direito italiano: o princípio da ‘boa administração’" [12].
Precisa é a definição de UBIRAJARA COSTODIO:
"(...) identifica-se no princípio constitucional da eficiência três idéias: prestabilidade, presteza e economicidade. Prestabilidade, pois o atendimento prestado pela Administração Pública deve ser útil ao cidadão. Presteza porque os agentes públicos devem atender o cidadão com rapidez. Economicidade porquanto a satisfação do cidadão deve ser alcançada do modo menos oneroso possível ao Erário público. [13]" Grifamos.
Atento ao princípio constitucional o CTN preceitua expressamente:
"Art. 25 - Os órgãos e entidades executivos do Sistema Nacional de Trânsito poderão celebrar convênio delegando as atividades previstas neste Código, com vistas à maior eficiência e à segurança para os usuários da via."
Ora a imputação da competência para fiscalizar o trânsito à Guarda Municipal é decisão administrativa que encontra sustentação no princípio da eficiência uma vez que assim:
a) será prestado pela Administração Pública serviço público de utilidade essencial ao cidadão;
b) atende-se com presteza ao direito ao trânsito seguro;
c) a satisfação do cidadão é alcançada do modo menos oneroso ao Erário Municipal.
A decisão administrativa de fixar já tão referida competência ás Guardas Municipais também se assenta no principio da razoabilidade abrigado no artigo 1º da Constituição Federal, que deu ao Brasil status de Estado Democrático de Direito.
O princípio referido possui três elementos conceituais: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.
A adequação é conseqüência da exigência de compatibilidade entre o fim pretendido pela norma e os meios por ela enunciados para sua consecução. Os atos dos Poderes Públicos somente devem ser afastados se absolutamente incapazes de alcançar o resultado pretendido.
A necessidade revela-se na indispensabilidade à preservação de direitos e interesse do bem comum.
A proporcionalidade em sentido estrito diz respeito a um sistema de valoração de situação juridicamente aceitável sob a ótica dos fins pretendidos pelo Estado. O exame da proporcionalidade permite um equilíbrio entre o fim almejado e o meio utilizado.
A razoabilidade é, em suma, padrão valorativo dos atos dos Poderes Públicos.
Aplicando o conceito à hipótese em exame, é compreensível prontamente que o aproveitamento de estrutura já existente é legítima, não constituindo violação ao principio constitucional da razoabilidade.
Neste sentido, é eloqüente a passagem transcrita logo a seguir da decisão já referida do STF em que o Ilustre Ministro Maurício Corrêa ponderou:
"(...) Subsistentes, por conseguinte, os fundamentos da decisão de primeira instância que indeferiu o pedido de liminar, não obstante tenha sido reformada pelo Tribunal de Justiça. A título ilustrativo, trago à colação o seguinte excerto daquela decisão: "(...) Não narra a inicial qualquer prejuízo decorrente da prática do poder de polícia por ente da administração indireta, devendo preponderar o supremo interesse da manutenção da ordem e regularidade do trânsito, elemento essencial da qualidade de vida nos centros urbanos, sobre meros interesses patrimoniais dos particulares que violam as regras cogentes de trânsito ou sobre questões formais secundárias ao interesse público. (...) As questões trazidas na inicial são meramente formais, não se questionando o exercício da atividade administrativa ou mesmo sua eficiência"(fl. 39).
- Proc.: Classe / Origem - STA 9 / RJ - SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA - Min. MAURÍCIO CORRÊA DJ DATA- 26/11/2003 P – 00009. Grifamos.
Irracional é exigir dos municípios a criação de nova estrutura administrativa cujo custo financeiro nem sempre é suportável pela municipalidade e ainda que haja recursos para tanto ainda assim entendemos ser razoável a medida. Ora a Guarda Municipal ao exercer a incumbência de proteger o patrimônio e serviços municipais ao mesmo tempo pode colaborar com o sistema nacional de trânsito, fiscalizando trânsito de veículos, pessoas e animais nas vias terrestres.
Irrazoável é o impasse criado pelos precedentes judiciais, ao impor aos municípios a inércia diante de danos à vida e integridade física de inúmeros cidadãos.
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3. CONCLUSÕES:
Ao fim deste estudo, ante os argumentos expendidos, concluímos:
a)A autonomia político - administrativa dá aos Municípios a capacidade de se organizarem segundo as leis que adotarem e se estruturarem para gestão do interesse público no âmbito de suas competências de modo eficiente.
b)Fixar interpretação restritiva da autonomia municipal é atentar contra a Constituição que atribui aos Municípios competência para organizar e manter serviços públicos locais cujo interesse não é exclusivo do Município, mas é predominantemente de seu interesse por afetar seus munícipes.
c)Está na esfera da competência municipal legislar e administrar o trânsito municipal em tudo quanto se referir ao interesse local.
d)O direito à vida e à cidadania são fundamentais para o Estado Brasileiro. O controle do trânsito pelo Poder Público é serviço de relevante interesse social porque sem um efetivo policiamento do trânsito, a vida e a cidadania podem ser e são freqüentemente lesados. A fiscalização é, pois serviço público essencial porque necessário para a sobrevivência do grupo social.
e)É fundamental estudar a questão da legitimidade do exercício da fiscalização do trânsito pelas Guardas Municipais sob o prisma constitucional a partir de uma interpretação cuidadosa e sistemática.
f)A declaração de inconstitucionalidade pelo Judiciário de atos de seus órgãos ou dos demais Poderes requer fundamentação reforçada que somente se pode obter pelo método lógico-sistemático de interpretação..
g)Sustentar simplesmente que o texto do § 8º do art 144 da Lei Maior impede a imputação da competência de exercício do poder de polícia do trânsito às Guardas Municipais é esquivar-se do dever de fundamentar as decisões que afetem a ordem constitucional.
h)O âmbito de competência da Guarda Municipal é o da segurança pública e neste campo pode a lei pode ampliá-lo com vistas à efetivação de outros princípios e valores constitucionais, devendo esta discricionariedade normativa do Município ser exercida com razoabilidade.
i)Inexiste veto expresso pela Constituição e pelo CTB à possibilidade do exercício do poder de policia de trânsito pela Guarda Municipal.
j)A essencialidade do serviço de fiscalização do trânsito e os princípios da razoabilidade e da eficiência dão legitimidade ao exercício da mencionada competência pelas Guardas-municipais que se revela juridicamente adequada, proporcional e necessária à preservação do interesse social.
k)É Irracional a exigência de criação de nova estrutura administrativa municipal, pois a Guarda Municipal ao exercer a incumbência de proteger o patrimônio e serviços municipais ao mesmo tempo pode colaborar com o Sistema Nacional de Trânsito, fiscalizando trânsito de veículos, pessoas e animais nas vias terrestres. Logicamente, que disso decorre a necessidade de estruturar a carreira de modo a dar-lhe condições dignas de trabalho e padrão remuneratório compatível com a natureza e complexidade da função.
l)A atribuição da competência para fiscalizar o trânsito e aplicar multas não fere a Constituição ao contrário pretende efetivar o direito fundamental à vida (CF art,. 5º, caput), atende ao principio da eficiência imposta à Administração Pública (CF art 37, caput) e está dentro dos limites materiais da competência constitucional da Guarda Municipal pois se trata de serviço publico essencial de Segurança Pública.
m)A guarda municipal pode investir-se da competência para fiscalizar o trânsito, podendo legitimamente aplicar multas de modo a preservar a vida e incolumidade das pessoas, pois tal providência não fere o primado da razoabilidade que deve reger a atuação do Estado Democrático de Direito.
BIBLIOGRAFIA.
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__________. Direito Constitucional. 3ª ed., Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1988.
FILHO, Ubirajara Costódio. A Emenda Constitucional 19/98 e o Princípio da Eficiência na Administração Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 27, abr./jul. 1999.
NETO, Diogo Figueredo Moreira. Curso de Direito Administrativo. 3a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1976.
QUEIROZ, Cristina M. M.. Os Actos Políticos no Estado de Direito: O problema do Controle Jurídico do Poder. 1ª ed., Coimbra: Ed. Livraria Almedina, 1990.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1996;
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. ed. 12, São Paulo : Malheiros, 1999, p. 92.
NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria do estado de direito: do estado de direito liberal ao estado social e democrático de direito. Coimbra: Coimbra, 1987. 252 p.
SANTOS, Maria Roseniura de Oliveira. O Perfil Constitucional da Competência da Auditoria-fiscal do Trabalho. Brasília, SINAIT: 2003.
SÜSSEKING, Arnaldo et al. Instituições de Direito do Trabalho – Vol. I e II, 5ª ed., São Paulo: Ed. Ltr,1995.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6. ed. São Paulo: RT, 1990;
NOTAS
01 Michel Temer in Elementos de Direito Constitucional Positivo pág 100.
02 José Afonso da Silva in Curso de Direito Constitucional Positivo pág. 419.
03 Michel Temer in idem pág 101.
04 Hely Lopes Meirelles in Direito municipal brasileiro, p.122.
05 Maria Roseniura de Oliveira Santos in O Perfil Constitucional da Competência do Auditor-fiscal do Trabalho pág. 91/92.
06 Resolução CONTRAN nº 166 de 15 de setembro / 2004, item 2.1.3.2.
07 Hely Lopes Meirelles, ob. cit., p. 122.
08Michel Temer Ob. Cit. pág. 101.
09 Maria Roseniura de Oliveira Santos ob. cit pág.. 101
10 In O Perfil Constitucional da Competência do Auditor-fiscal do Trabalho por Maria Roseniura de Oliveira Santos pág. 101.
11 In Direito Constitucional - Ed. Forense, 1988.pág.. 119.
Celso Antônio Bandeira de Mello in Curso de Direito Administrativo. ed. 12, São Paulo : Malheiros, 1999, p. 92.
12 Ubirajara Costodio Filho in A Emenda Constitucional 19/98 e o Princípio da Eficiência na Administração Pública. - Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo : Revista dos Tribunais, n. 27, p. 210-217, abr./jul. 1999, p. 21
O poder de policia das Guardas Municipais
É comum, a todo guarda municipal, questionar onde está escrito, em qual lei ou código, que a Polícia Militar é o órgão competente, com exclusividade, para executar bloqueios, no chamado "poder de polícia"! Com o advento da Constituição Federal, de 1988, ela afirma que os Municípios, os Estados-membros e por fim a União; são entes autônomos. Isto significa dizer que os prefeitos, os governadores e o Presidente da República gozam de tratamento igualitário, de chefe de poder executivo e, neste sentido, o artigo 30, inciso I, da CF/88, aduz com veemência que os assuntos locais devem ser tratados pelos municípios. Logo as Guardas Municipais - órgãos de Polícia Administrativa, igualmente à PM, tem o chamado "police power", ademais tal poder está inserido no artigo 78 do Código Tributário Nacional, e ele não faz alusão a nenhuma polícia e especial.
Art. 78 - Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do poder público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Do mesmo modo que, quando um Policial Militar aborda um veículo e nele nada é encontrado, colocando os PMs na situação hipotética de abuso de autoridade, os guardas municipais, do mesmo modo, se praticarem a mesma ação estão sujeitos a lei.
O código de processo penal artigos 241 a 244, que regula a busca pessoal (revista), etc., também não faz alusão a polícias e sim a autoridade. Ademais, desde 1988, somente a Polícia Federal tem exclusividade no policiamento ostensivo. O decreto 667/69, que dava tal poder às PMs está derrogado, pelo novo ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, as Polícias Militares estão no mesmo patamar das Guardas Municipais.
Muitas autoridades policiais, e até políticas, ainda entendem que a função das Guardas Municipais é zelar pelo patrimônio público; o que dizer, então, de centenas de policiais tomando conta de estações de trens, parques públicos, estádios, etc.. Qual a diferença, senão a cor do uniforme, já que o salário da PM é pago pelo Estado-Membro, com dinheiro da contribuição dos munícipes (aqueles que vivem nos municípios) do mesmo modo que as Guardas Municipais (ou civis), são pagas pelos municípios. Vale lembrar que além desse ônus, muitos municípios ainda bancam os custos da presença de destacamentos das PMs com pró-labores, alimentação, uniformes, equipamentos, etc.
O policiamento ostensivo exclusivo às PMs estava previsto no Decreto lei 667/69, mas ai foi derrogado pelo inciso V do artigo 144 da Constituição Federal de 1988. A mesma CF/88 deu exclusividade de policiamento somente a Polícia Federal, inclusive de efetuar Policiamento Ostensivo, o que é vedado às Polícias Civis. Por exemplo, quando uma viatura da PC está caracterizada ela está efetuando Policiamento Ostensivo que é vedado pela CF/88. No que concerne a faculdade dos municípios constituírem Guardas Municipais, dá-se pelo fato de, com o advento da CF, em outubro de 1988, nem todos municípios da federação possuiam Guardas, contudo, quem as tivesse, deveria fazer Segurança Pública e aqueles que quisessem poderiam fazê-lo, desde que instituissem suas Guardas.
Agora, passados 19 anos, ainda não foi editada nenhuma lei complementar federal, que alude o final do parágrafo 8º do citado artigo constitucional.
Por derradeira questão de lógica, o parágrafo 9º do artigo 144 da CF/88 estabelece que os "...órgãos policiais deste artigo..." logo todos os órgãos elencados no artigo 144 da CF/88 são policiais, inclusive as Guardas Municipais.
E se verificarmos de forma detalhada, em nenhum artigo de lei determina ao Estado-Membro exclusividade de Atos de Policia e sim às autoridades (Prefeitos, Governadores e Presidente), aos Estados genéricos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) pois de acordo com o disposto no artigo 1º e 18 da CF/88, eles são entes federativos, com autonomia política e administrativa. Vede, por exemplo, a lei que trata de poder de polícia – Código Tributário Nacional, artigo 78, do mesmo modo em seu "caput" enumera estes mesmos entes - União, Estados membros, Distrito Federal e Municípios. Na verdade Poder de Polícia no Brasil é coisa cultural e não legal.
Mário Soares
Todos estes artigos foram retirados do site: www.gmvarginha.com.br
De suma importância sua leitura !!!
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