Criada para proteger o patrimônio público das cidades, as guardas
municipais ainda lutam para ganhar reconhecimento como uma força de
segurança no país. Em meio à falta de regulamentação sobre a função
dessas tropas, as capitais brasileiras passaram a armar os guardas, que
em algumas cidades . Segundo levantamento feito pelo UOL, 13 capitais já usam armas ou estão com processos em andamento.
Segundo o Ministério da Justiça, existem hoje mais de 86 mil guardas
municipais no Brasil, que atuam em uma profissão sem regulamentação
federal. Além de armas, a categoria –que ainda não possui sequer um
órgão sindical nacional-- reivindica que as guardas sejam regulamentadas
como “polícia preventiva” e atuem para evitar crimes nas cidades, e não
apenas na segurança do patrimônio.
De acordo com o Estatuto do Desarmamento, de 2003, os municípios com
mais de 50 mil habitantes podem armar suas guardas municipais. Desde lá,
muitas capitais adotaram o uso de armamento pela guarda. Cidades como
São Paulo, Porto Alegre, Vitória, Florianópolis, Curitiba, Belém e
Aracaju já usam armas há algum tempo.
Outras capitais estão em processo avançado e devem passar a usar armas
em breve, como Belo Horizonte e Goiânia, onde os convênios com a PF
(Polícia Federal) –responsável pelo porte de armas-- já foram assinados.
Na capital mineira, por exemplo, as armas já foram compradas, e apenas
os portes são aguardados.
No Nordeste --região onde o número de homicídios vem crescendo-- é que
se verifica o maior interesse atual em armar as guardas. Recentemente as
prefeituras de Natal e Salvador anunciaram convênios com a PF para
fornecer o porte aos guardas. Em João Pessoa, um projeto que prevê o uso
de armas foi aprovado pela Câmara de Vereadores em dezembro de 2011. Em
Maceió, um projeto encaminhado pela prefeitura está em análise desde
2010 na Polícia Federal.
Segurança desarmada
Em outras capitais, como Rio de Janeiro, Recife e Fortaleza, os guardas
ainda fazem a segurança de prédios desarmados, e não há previsão de uso
de armamento. E foi justamente a atuação desarmada que gerou polêmica
esta semana, quando os guardas municipais de Fortaleza iniciaram um
protesto por conta de dois casos de violência sofrido no início da
semana.
No último domingo (25), dois guardas foram baleados por torcedores no
terminal de ônibus do bairro Antônio Bezerra, após o clássico entre
Ceará e Fortaleza. No mesmo dia, outros guardas não conseguiram impedir
uma invasão e assalto à Câmara de Vereadores --eles ainda foram
algemados durante a ação.
Em protesto, os guardas paralisaram as atividades na quarta-feira (28),
mas voltaram parcialmente na quinta-feira (29), após a prefeitura
anunciar a criação de um grupo para discutir o assunto. Mas eles
prometem só voltar às atividades de patrulhamento em locais de risco
após o município aceitar comprar armamento.
“Essa discussão precisa passar também pela sociedade. Defendemos o
armamento, mas de forma responsável, com capacitação. A gente quer que
arme o servidor, mas não é só pegar uma arma e mandar ir para rua sem
está preparado. Tem que ter treinamento. Só que a gente está
pressionando as autoridades porque todo meliante tem uma arma de fogo e
nós, só um cacete. Nem algema todos os guardas têm. E fazemos vigilância
em escolas, hospitais de locais perigosos, não dá mais para seguir
assim”, disse Márcio Cruz, presidente do Sindicato dos Guardas
Municipais do Ceará.
Distorção de função
Legalmente, as guardas deveriam atuar apenas na proteção de bens,
serviços e instalações das cidades. Mas não é isso que ocorrer em
algumas cidades. Em Aracaju, por exemplo, a guarda municipal tem como
uma das missões "coordenar e exercer atividades de policiamento,
fiscalização e vigilância ao meio ambiente, bem como os objetos e áreas
que integram o patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e
paisagístico local."
A ideia de armar as guardas é vista com bons olhos, mas ao mesmo com
ressalvas pelo delegado federal aposentado e atual secretário de
Segurança e Cidadania de Maceió, José Pinto de Luna. O problema estaria
em atribuições equivocadas da guarda, como ocorreria na capital
sergipana. Segundo Luna, a Polícia Federal já precisou intervir para
tirar o poder dado a algumas guardas municipais armadas pelo país,
especialmente em São Paulo, onde atuou por décadas como delegado.
"Para proteger o bem público, as guardas municipais têm de estar armadas
e ter os recursos necessários. Mas isso tem que ser visto com muita
responsabilidade. Têm muitos lugares no interior de São Paulo onde a
guarda ultrapassou a corporação militar. Em alguns locais, o guarda
tomou gosto pelo poder de polícia, que ele não tem, e aí começaram a
nascer grupos de extermínio", disse.
Luna defende que Maceió --capital com maior taxa de homicídios do país,
107 para cada 100 mil habitantes, segundo o Mapa da Violência 2012--,
mas avalia que existem exigências que encarecem e dificultam o processo.
"Temos uma dificuldade de implementar por conta de uma grade curricular
sugerida pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, que envolve 600
disparos. Se você somar isso para 850 guardas, fica uma fortuna. Esse
está sendo o principal entrave. Estamos vendo se essa grade pode ser
flexibilizada ou pegarmos o mais preparados fisicamente e
psicologicamente para o corpo armado da guarda", afirmou.
Polícia preventiva
A discussão sobre os critérios para regulamentação dos guardas está
ocorrendo no Congresso, e pode resultar em mais poderes à categoria. Na
quarta-feira, comandantes de guardas municipais, sindicalistas e
parlamentares defenderam a regulamentação do trabalho da categoria na
prevenção da violência. O tema foi discutido em audiência publica da
Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos
Deputados. Segundo sindicalistas, a ideia é dar um leque maior de
atuações às guardas.
“Hoje, temos polícia de pronto atendimento que atua depois do ato de
violência. Queremos desenvolver o papel de uma polícia preventiva,
próxima do cidadão, dando a ele a sensação de segurança”, disse o
presidente do Sindicato dos Guardas Civis Metropolitanos da Cidade de
São Paulo, Carlos Augusto de Souza, que faz parte de um grupo de
trabalho criado pelo Ministério da Justiça, em 2011, para discutir a
regularizar da profissão.
O deputado Vicentinho (PT-SP) também defendeu a ação preventiva das
corporações. “A guarda municipal tem de ter uma atuação pacífica,
pacificadora e comunitária. Ela deve atuar sobre a causa, não a
consequência”, afirmou.
*com Agência Câmara